Há muitas formas de se roubar um livro. Curiosas, criativas, excitantes. Todas elas erradas – dentro da ética humana, digamos. Já se tratando do que pensam os livros, não sei. Principalmente quando o espaço entre as prateleiras de uma biblioteca mais parecem as frestas de luz que intercalam os galhos nas copas das árvores, e o silêncio absoluto de uma biblioteca – as vezes interrompido por um par de saltos no corredor 7 -, faz você se sentir como um puma se esgueirando antes de atacar. Os livros, sua grande presa do dia.
Escondidos numa mochila ou atrás da barra da blusa. Já roubei livros colocando-os debaixo dos cabelos. Exemplares mais grossos podem ficar por entre as pernas, se usar uma saia que vá até os joelhos. Os grandes almanaques e teses precisam de uma astúcia maior: raramente cabem em algum lugar pelo corpo, fora as mãos; e esgueirar-se para fora segurando um livro que você não alugou não é lá muito simples.
De alguns pontos dessa grande selva de páginas, sentada no chão, esta puma consegue ver algumas refeições. Nietzsche está à apenas dois corredores, mas parece ser grande mais para levar em um abate só. Júlio Cesar (de Melo e Sousa) está bem à frente, mas perde-se o sabor ao saber que este é só um xará do imperador (…e que os livros são de matemática; todos temos nossos gostos).
Há muitos jeitos de se roubar um livro. Jeitos excitantes, criativos, absurdos. Pode-se rasgar uma página a cada dia, um dia por ano, e ainda não ter conseguido furtar um exemplar inteiro. Pode-se fotografar todo o seu interior, mas o cheiro das páginas continua preso, enclausurado de baixo da terra da selva.
De todos os livros que já roubei, e de todas as táticas que usei para os levar embora, a mais eficiente foi, com certeza, a mais absurda. Eis o passo a passo:
Ande vagarosamente pela Selva. Cheire as páginas sem toca-las. Procure em novos corredores e prateleiras, e encontre sua presa. Saberá que é ela assim que avista-lá. Depois, procure um canto, um spot, específico e sente-se no chão. É importante que isto seja feito no início do dia, entre 9 e 10 da manhã, e de preferência numa semana fria e chuvosa. Será mais fácil de digerir a refeição. Haverá tempo para saborear. Leve um chá, ou um café – mas tome cuidado para não derruba-lo na refeição. Abra o livro, dilacerando sua capa com cuidado. Concentre-se e leia a primeira linha.
Continue até estar saciado.