Robôs gigantes, machismo e China Imperial: eu li Viúva de Ferro, de Xiran Jay Zhao - Dropando Ideias

Robôs gigantes, machismo e China Imperial: eu li Viúva de Ferro, de Xiran Jay Zhao

Uma releitura da ascensão da imperatriz Wu Zetian em um misto de história chinesa e animes como Darling in the Frankxx!

Livros

A mistura parece meio inusitada. Mas na verdade não é, e dá muito certo! Quando ouvi falar pela primeira vez de Viúva de Ferro, lançado pela Intrínseca este ano aqui aqui no Brasil e livro de estreia de Xiran Jay Zhao (ainda por cima com toques bem óbvios de inspirações em Darling In The Frankxx), eu sabia que esse livro era para mim: Uma história doida sobre robôs gigantes comandados por casais em uma China futurista.

Viúva de Ferro é uma ficção científica que mistura a cultura e história chinesa com mechas メカ, fantasia e mitologia. Wu Zetian, a protagonista, é baseada na própria Imperatriz Wu Zetian da história chinesa, em uma releitura muito interessante de sua chegada ao trono do Império Chinês.

É um livro que transborda ódio de todas as suas páginas. Uma raiva intrínseca da protagonista que é extremamente palpável pela narração e cria uma sensação de urgência no leitor. Uma vontade louca de destruir o patriarcado e as injustiças burras que certos sistemas criam e não beneficiam ninguém. Rápido, avassalador e intenso: um livro que queima como o uso de qi dos personagens em batalha.

Mas, ainda sim, um livro de estréia. Apesar de todo o magnetismo que a narrativa passa, há alguns probleminhas cá e lá com personagens e motivações que eu espero serem corrigidos no próximo livro. Dou uma colher de chá por ser um livro de estreia, e que no final das contas mais agrada e te deixa com vontade de ler ainda mais do que te frustra.

Mas afinal, sobre o que é, realmente, Viúva de Ferro?

História: Fatos x Fantasia

Como dito, esse é um livro de fantasia/ficção científica que faz uma releitura da história chinesa. Aqui, a China (ou melhor, Huaxia) é um país futurista que resiste à invasão de uma raça alienígena dentro de sua grande muralha. Para defender as terras do país, jovens são levados a robôs gigantes que podem ser pilotados se seu qi (sua força vital), for alta o suficiente.

Só que, obviamente, há um problema. Em um sistema de pilotagem onde um garoto e uma garota devem sentar-se juntos em assentos ying e yang para usar o robô, a desgraça sempre cai sobre as meninas. Onde, quase sempre, as Piloto Concubinas morrem em suas primeiras batalhas enquanto os garotos sobrevivem e levam toda a glória, matando quantas meninas forem necessárias no processo de defender a nação e subir no ranking de pilotos.

Já ouvi esse barulho antes, no dia em que minha irmã foi levada. Na época, eu não sabia que era para ela, até que a nave flutuante pairou sobre a nossa casa, com o bólido de aço reluzindo como fogo branco. Um soldado com um coque samurai e uniforme verde-oliva deixou cair uma escada de corda até o nosso quintal. Todo mundo guardara segredo de mim. Inclusive ela. Sabiam que não conseguiriam prever o que eu faria para evitar que a levassem se tivesse descoberto de antemão.

Naquela ocasião, não pude impedir ninguém.

Agora, ninguém pode me impedir.

Xiran Jay Zhao em Viúva de Ferro

Wu Zetian é uma jovem das fronteiras, próxima da muralha. Lá, a vida é simples e o machismo forte e violento. Quando sua irmã mais velha é levada pelo exército para pilotar robôs (e perde a vida no processo), ela decide que vingar-se por essa morte e por toda a injustiça dos homens é sua única razão de seguir em frente.

Por meio de toda a narrativa sentimos a cultura milenar chinesa e sua mitologia. A própria ideia dos robôs pilotados por pares explorada em Darling In The Frankxx – que realmente é uma inspiração direta, está nos agradecimentos! -, é uma lenda chinesa. Zetian tem os pés amarrados em lotus. Cada robô tem um elemento principal e secundário que se conecta com os tipo de qi de seus operadores. Tudo muito bem amarrado, em uma forma espetacular de unir esses contos e crenças milenares em um livro que trata de temas tão atuais ao mesmo tempo.

Nesse sentido, há uma vibe muito parecida com outras sagas young adult. A ideia de se criar grupos para distinguir as pessoas em tipos, ou casas, é sempre muito bem vinda na literatura YA. Você se pega pensando, qual será o tipo do qi deste personagem? e, qual seria o meu tipo de qi? É uma camada que gera um nível de envolvimento a mais, e ajuda a situar a importância da cultura chinesa para esse mundo.

Flores em meio ao caos

Mas nem só de ódio e sofrimento se faz essa história. Na verdade, é nos momentos de calidez e paixão é que vemos o quão bonita é a história que Xiran quer contar. Na grande maioria das vezes o leitor vai estar boquiaberto, olhando as páginas incrédulo com a sequência de acontecimentos brutais que move a narrativa; mas em graciosos intervalos temos momentos ternos que fazem o contraste perfeito, trazendo a emoção e aprofundamento dos personagens necessários para eles façam sentido nesse mundo louco da história.

O amor não é um recurso escasso pelo qual temos que lutar. O amor pode ser infinito, desde que nosso coração consiga se abrir.

Xiran Jay Zhao em Viúva de Ferro

Esses momentos, apesar de poucos, são um respiro necessário a narrativa. Vi muitas críticas dizendo que há pouco aprofundamento de personagens, e que muitas motivações (e até romances!) surgem meio que do nada. Concordo que há situações que poderiam ser melhor explicadas, mas mesmo assim não tenho como deixar de pensar que essa é uma escolha narrativa. Sabemos tanto quanto Zetian sabe. Sentimos tanto quanto Zetian sente, pois é ela a narradora. Se são poucos os momentos de compaixão e explicação, é por que esses momentos pouco existem na vida das mulheres dessa história; com seus pés de lotus que lhes causam dor constante e seus trajes de concubinas que servem apenas para agradar os olhos masculinos.

A algum tempo criei o habito de adicionar post-its marcadores de página aos meus livros, estrategicamente em momentos em que surtei como leitora. Gritinhos, lágrimas, suspiros profundos e pausas para encarar o nada. Todas essas sensações são passiveis de marcação e devo dizer que Viúva de Ferro teve várias delas. Momentos intensos que fecham ciclos importantes em cada uma das partes do livro, abrindo espaço para um novo ciclo de raiva que virá pela frente e são pausas necessárias. Uma delicia de viagem.

A cereja do bolo

Sem dar muitos spoilers, Viúva de Ferro passa a brilhar com toda a intensidade em suas últimas páginas. Só fui descobrir que se tratava de uma trilogia depois que eu já tinha acabado o livro, escrevendo essa resenha. E por isso, fiquei absolutamente chocada com o final, na hora. Agora, com o conhecimento de que haverá mais, tudo fica um pouco menos chocante (mas ainda sim, intenso).

Para além da conclusão, é em sua última parte que as relações entre os personagens finalmente se aprofundam de maneira extremamente significativa, e que provavelmente vai ser o ponto central e motriz do resto da história. A delicadeza e leveza com que Xiran trabalha alguns temas bem tabus no livro é de uma beleza singular. Nunca imaginei que torceria tanto por personagens de um livro que, querendo ou não, não tem foco no romance e desenvolve seus personagens nesses pequenos respiros mais do que por toda a história. Mas me peguei absolutamente histérica com o final e com a certeza de que procurarei não só os próximos livros da saga mas também os outros livros de Xiran.

Viúva de Ferro

Autoria:

Editora: Intrínseca

Páginas: 480

ISBN: 978-65-5560-531-0

Ano de lançamento: 2022

Sinopse: Em Huaxia, a maior honra concedida a uma garota é sua escolha para a função de piloto-concubina, servas conectadas a pilotos homens para juntos fornecerem energia vital às crisálidas — máquinas de guerra gigantes que protegem a humanidade dos alienígenas além da Grande Muralha. Essa conexão mental tão intensa e poderosa entre piloto e concubina com frequência leva as jovens à morte, garantindo à família delas uma recompensa financeira do Estado. Aos dezoito anos, Wu Zetian se alista como concubina com apenas um objetivo em mente: vingança.

Uma releitura fantástica e eletrizante, que mostra de forma visceral o ódio contra o machismo e o poder de uma mulher. Um livro para se devorar em poucos dias, com uma intensidade absurda e momentos de emoção intensos e belos.

Arte da Capa: Zetian and Shimin by 妄猫Sama on Weibo
Uma cópia do livro foi enviada pela editora Intrínseca para realização desta resenha.

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