É maio de 2018, meu Kindle tem pelo menos 40 pdfs não lidos, minha prateleira está cheia de exemplares novos e todo dia eu me pego pensando “Hm… Hoje seria um bom dia para começar aquele livro!“, mas esse tal dia nunca chega. É maio de 2018 e eu ainda não consegui terminar nenhum livro. Nenhum. Eu não consigo mais ler.
O começo
Antes de despejar em você todo o meu desespero com não estar mais conseguindo ler, eu preciso resgatar a Letícia de 12 anos e deixa-la lhe dizer algumas coisas. Livros são a minha vida. Histórias são a minha vida. Palavras. Frases. Amontoados de ideias ruminadas, processadas e repensadas juntas em páginas com um cheirinho gostoso. Eu sempre me encontrei melhor no chão no canto de uma biblioteca – da escola, pública, da faculdade, da Av. Paulista – do que em mim mesma. Então, pense qual não foi o meu choque (e o choque da Letícia de 12 anos, que chegava a ler 100 livros por ano) quando eu me deparei com o fato de que não consigo mais ler. E eu não sei exatamente o porquê.
Não é que eu tenha perdido o ânimo, ou o “saco” como diriam alguns. Eu penso em ler todos os dias. A ideia me apetece, me cativa; Sempre tem um livro sedutor que me chama baixinho da prateleira. Mas nunca é o suficiente. Sempre tem algo, alguém, alguma coisa pra eu resolver antes.
Ou pior, não tem. Não tem mesmo.
Ansiedade, distrações e tempos modernos
Será que a culpa é só minha, ou algumas forças externas tem papel nisso? Desde que eu passei a ficar mais ativa no Instagram e outras redes sociais, parece que ler ficou ainda mais difícil. Sempre tem uma notificação nova a ser checada, uma mensagem para responder e algum post para fazer. Mas mesmo quando eu me desligo dessas distrações que, apesar de serem meu trabalho, não mudam nada em grande escala, eu não consigo. É difícil sentar a bunda no sofá, folhear as primeiras páginas, ver a dedicatória e as notas do editor, e entrar em um mundo novo de cabeça.
Estou sendo muito tiazona? Será que jajá eu vou dizer que é tudo culpa dos videogames? Não, longe disso, mas ao mesmo tempo eu também sinto uma parcela de culpa neles. Não porque jogos estão destruindo os hábitos de leitura das nossas crianças (não mesmo), mas porque eu tenho menos tempo. Menos tempo para escolher qual entretenimento eu quero consumir, menos tempo para mim, menos tempo para lazer. Eu, e todos os leitores, conforme crescemos assumimos novas responsabilidades que, obviamente, custam tempo.
Lavar louça custa tempo, varrer a casa, passear com a cachorra, conferir as contas do mês, trocar aquela maçaneta quebrada. Tempo que eu antes não gastava, e que podia ser muito melhor usado para jogos, animes, e claro, livros. Será que então, toda essa nossa novela, é mais por não sabermos organizar nosso tempo, já que temos tanta informação, por não conseguirmos efetivamente ler?
Recuperando hábitos, energias e criatividade
Parar de ler matou um pedaço de mim. É como se eu tivesse deixado de alimentar direito uma lagarta que comia histórias, palavras, poesia e narrativas. Obvio, ela ainda tem as histórias que contamos em filmes, séries e afins para saborear, mas não é a mesma coisa, e você sabe disso amigo leitor. Tenta viver comendo lasanha de microondas por uma semana. Chega uma hora que as coisas não descem mais.
Minha criatividade, minha vontade de escrever, criar, pensar e pesquisas, foi se esvaindo junto com a falta de leitura. Eu pequei em casa, no trabalho, e comigo mesma. Fiquei doente, de verdade. Tudo que eu queria era que uma força maior me sentasse no sofá, na cama, numa cadeira de praia que fosse, e me obrigasse a ler um livro de 100 páginas. E então um de 200. 300. 400. A obra toda de Arthur Conan Doyle.
Deu pra entender, né? Ler. Por Odin. Ler pra me alimentar de palavras.
A leitura é uma necessidade biológica da espécie. Nenhum ecrã e nenhuma tecnologia conseguirão suprimir a necessidade de leitura tradicional. – Umberto Eco
Correndo atrás de resolver essa questão um tanto quanto humana e pessoal, um tanto quanto acadêmica, consultei o oráculo dos oráculos em busca de respostas. Qual não foi a minha surpresa ao descobrir que, além de mim, diversas outras pessoas reclamam na internet de que não conseguem mais ler. Ai de nós.
Ainda não sei exatamente qual será a solução para isso. Confesso que também não tentei muita coisa além de entrar em desespero e pensar “Ó, coitadinha de mim! Será esse o destino de todas as crianças que eram inteligentes até demais na infância? Será que esgotei a minha capacidade de leitura lendo demais antes? Será que estou crescendo e ficando burra?!” Bullshit. Talvez, como vi da experiencia de outros leitores, o jeito seja me afastar de redes sociais e outras distrações virtuais quando for ler. Talvez seja só tentar me colocar menos pressão para ler e esperar. Talvez sejam as químicas cerebrais e o vício neurológico em dopamina que a tal da snack culture nos proporciona. Talvez.
O que eu sei, claramente, é que eu – e provavelmente você que clicou para ler esse post – quero mudar. Quero voltar a me empolgar com a descrição de um personagem, uma narrativa densa e complicada, uma cena que está contada no papel mas acontece como um filme na minha cabeça.
Então, amigo leitor, como diria minha mãe: vamos primeiros nos acalmar. Sabemos bem como o hábito de leitura é algo que se cultiva gradualmente e com insistência, como uma florzinha; mas felizmente ele não é uma planta e pode ser revivido. É só a gente ter um pouquinho de fé (em magia, se você, como eu, gosta de fantasias) e insistência.
