Temos mania de achar que muita coisa na internet é “gratuita”, mas não é bem assim que funciona.
Era segunda-feira. Como uma pessoa que ganha a vida criando e monetizando conteúdo para a internet, o fim da pornografia no Tumblr – anunciada no essa semana – trouxe mais uma camada de questionamentos e pensamentos para o meu dia; que já começava meio bizarro por conta dos papos estranhos que você ouve no meio da rua no centro de São Paulo. Alguns remanejamentos na minha agenda – será que da tempo de escrever algo sobre isso? -, alguns minutos na fila do mercado para pegar um pacote de coadores de café.
Após a Apple remover o aplicativo do Tumblr da AppStore, alegando que a rede social e seus usuários veiculavam pedofilia e outros conteúdos “sexuais” mais incabíveis ainda, o Tumblr acabou por tomar uma medida que eu a muito tempo me perguntava quando chegaria: a remoção de toda a pornografia de sua rede. Incluindo, mas não apenas, vídeos pornográficos, gifs, artes, hentais, e toda o tipo de formato pornô que a humanidade é capaz de inventar. Coitados dos furries.
E, obvio, a internet pegou fogo.
Consequências, consequências…
Eu era uma usuária bem ativa no Tumblr lá por meados de 2011, quando a rede era basicamente um grande mural de lamentações e textos adolescentes sobre o amor. Uma coisa bonita mesmo, cheia de emoção. Parei de escrever tanto por lá quando os textos falando sobre sofrer por boy pararam de fazer tanto sentido para mim. Hoje em dia, de vez em nunca posto algum gif de anime e sigo alguns artistas independentes por lá. Mas o Tumblr ainda aparece em muitas pesquisas como uma das redes preferidas dos adolescentes. Vai vendo.
Em poucas horas surgiram threads gigantescas no Twitter falando sobre como diversos artistas – como desenhistas, mangakas, camgirls e outros grupos que produzem conteúdos sexuais ou sensuais – serão prejudicados pela medida. Fiz a piadinha de que o Tumblr marcou a data do próprio enterro. Vi uma repórter procurando fontes para uma matéria sobre o caso.
As consequências imediatas dessa medida são obvias, e realmente assustadoras para quem será prejudicado por elas. Os posts com conteúdos sinalizados pelo algoritmo do Tumblr como impróprios serão simplesmente apagados dia 14 de Dezembro, e já é possível notar por posts em outras redes sociais, que esse algoritmo não é tão preciso assim. Serão milhões de postagens que irão simplesmente sumir da rede, e sabe-se lá Odin se essas pessoas tem como salvar tudo isso a tempo.
Os produtores de conteúdo erótico provavelmente estão desesperados tentando fazer backup de tudo o que eles produziram em anos; e ainda não se sabe para que canto da internet eles irão migrar, muito menos como eles vão conseguir manter os assinantes de seus patreons que pagam suas contas.
Mas a reflexão que quero fazer aqui vai um pouco além disso, abrindo o escopo do problema para não só o Tumblr, mas para a internet inteira e como o que vemos como gratuito não é tão de gratis assim e uma hora ou outra isso vai dar problema. Como deu no Tumblr, como já deu com os veículos jornalísticos que declararam falência, como pode dar em vários lugares.
Quem paga pelo que eu não pago?
Você deve saber – ou pelo menos deveria – que quando abre um site, apesar de não pagar para entrar nele, sua tela é atingida com várias propagandas e é assim que o site ganha o seu dinheiro necessário para se manter. Quando mais acessos, mais pessoas veem aquele anúncio e mais dinheiro o site ganha. É assim que o Youtube funciona, é assim que o Dropando Ideias funciona, é assim que o Facebook funciona e a grande maioria das redes sociais.
E era assim também que o Tumblr funcionava (e funciona), e esse foi o problema.
Não, eu não quero dizer que se o Tumblr cobrasse, por exemplo, uma taxa de utilização de cada usuário, o problema estaria resolvido. Mas há uma relação azeda entre viver de anúncios de terceiros e veicular conteúdo não tão “vendável” assim; como a pornografia. O desespero do Tumblr, como empresa, ao ter seu aplicativo removido da AppStore, era muito mais “oh não! os anúncios que vou deixar de vender por essa acusação!”, do que “oh não, os pobres usuários!”. Coisas do capitalismo.
Algo muito parecido aconteceu com o Youtube e o Family Friendly a um ano atrás. Lógico, o Youtube não veiculava, nem nunca permitiu a veiculação, de conteúdo pornográfico; mas as razões que levaram o Youtube a aplicar novas políticas foram muito parecidas com as da situação atual: a eminente perda de anunciantes por estar permitido conteúdo que eles não gostam. E você não quer perder anunciantes, e ponto.
Como criadora de conteúdo, eu bem sei que dificilmente marcas querem trabalhar com criadores que se envolvem em qualquer tipo de “conteúdo problemático”. Ou, em outras palavras, conteúdo que pode ser prejudicial à imagem da empresa à qual quer fazer o anúncio. Lembram das propagandas de passagens aéreas em vídeos de acidentes de avião? Aquilo foi um desastre. Fez o Youtube perder anunciantes gigantes e a porcentagem do AdSense de todos os criadores caiu.
A situação com o Tumblr é a mesma. Pouquíssimas empresas aceitarão anunciar seus produtos em uma plataforma que aceita pornografia, e ainda por cima acusada de veicular pedofilia. A solução, para poder continuar pagando as contas, é essa que estamos vendo.
Não, eu não quero defender as atitudes do Tumblr. Sinceramente tenho muito pouco contato com a plataforma atualmente para poder dizer se essa medida é certa ou errada. A única coisa que quero com esse texto é te fazer entender que não existe almoço grátis. Se você não está pagando, alguém está por você – e as vezes, de formas mais perversas do que você imagina.
Para não pagarmos, em dinheiro, por um produto ou serviço, estamos pagando com a nossa própria liberdade artística e de expressão. Isso era algo que, um tanto longe dos olhos do público, já acontecia e acontece em várias redações jornalísticas que dependem daquele anúncio de lauda dupla para pagar as contas dos funcionários. Como fazer uma reportagem denunciando a corrupção dessa empresa se é o dinheiro dela que mantem seu veículo funcionando? Como garantir a liberdade artistic de pessoas que não tem um conteúdo tão comercial de margarina assim? Ainda estamos procurando essas respostas.
E seguimos pagando.