“Como tem gente que consegue fazer stream por oito, nove horas por dia?”, desligando a câmera e fechando o programa de transmissão, esse é um pensamento recorrente depois das minhas míseras duas horas de live. Cansada, com a pele um pouco oleosa por conta da maquiagem e a garganta seca, eu levando e vou até a cozinha buscar um copo d’água.
Duas horas antes – ou talvez três considerando todo o preparo mental que jogar videogame enquanto pessoas assistem me exige – eu começava a arrumar o quarto para a tarefa que eu enxergo não só como diversão, mas como trabalho e meta. Veja bem, eu não quero reclamar que lives são muito cansativas (apesar de serem mesmo), só extrapolar um pouco essa sensação de impotência que, novamente, me faz sentir-me menos que os outros.
Ajeita o lençol. Dobra a ponta da coberta. As almofadas estão meio desalinhadas né? Nossa, e esse prato que ta aqui faz uns dois dias… Preciso pegar uma sacola pra juntar esse lixo. Ah, vai ficar bonitinho se eu acender as luzinhas. E mais.
Depois de tudo arrumado, é a hora de me arrumar. Talvez fosse menos trabalhoso eu desapegar de tentar me sentir bonita e bem na frente de uma câmera do que todo o preparo que eu me forço a ter tanto antes, ao passar a maquiagem, quanto depois, ao tira-lá.
Na frente do espelho, a imagem de um rosto bochechudo e com a pele bastante precária me é bem incomoda. O nariz é muito grande, as sobrancelhas podiam ser mais bem preenchidas, mas isso eu não posso arrumar agora. Cadê minha base? Espalha um pouco com a esponja rosa, cobrando as espinhas e os poros abertos. Arde de levinho nos pontos mais inflamados.
“Já que estou passando base, vou logo passar tudo de uma vez”, até agora pouco ia ser só uma base de leve, mas essa frase é sempre parte do ciclo. Um rímel para deixar meu olhar mais bonito, um delineador, um pouco de blush porque gosto de me sentir fofa. Eu nem sei se isso tudo aparece na câmera. Mas tudo bem, eu me sinto melhor assim, juro.
Com a princesa e seu castelo arrumados, falta só o computador estar pronto para começar a transmissão. Eu comprei uma maquina mais potente com a promessa de fazer mais e mais lives, mas sinceramente ainda não acho que faço o suficiente. Nem por mim, nem pelos meus sonhos.
Eu já disse isso um milhão de vezes, mas eu faço tudo isso pelo meu sonho, por mim mesma. Pra poder tentar ajudar pessoas, pra poder me divertir, pra poder não ter medo de um monte de coisa que me apavora de madrugada. Talvez eu não consiga transpor isso tudo aqui, mas não faz mal. O importante é que você saiba que isso é importante para mim, e pronto.
O programa da stream desconfigurou outra vez? Mas que saco. Depois de alguns minutos de estresse, de raiva porque as vezes a tecnologia só não faz sentido algum, está tudo pronto. É só começar.
Eu já estou mais cansada do que depois de uma aula da faculdade. Será que isso é normal?
Em um lapso percebo que não escolhi o que vou jogar. Mas que merda, eu sou muito burra. É sempre complicado tentar conciliar o que eu quero jogar com o que as pessoas queiram assistir eu jogar. Parece que tudo na internet é mais complicado do que deveria, ou eu sou mais complicada do que deveria. Nunca sei.
Mais 20 minutos escolhendo o que jogar e preparando o jogo para ser streamado. Não é exatamente o que eu queria jogar agora – provavelmente eu iria preferir um datesim fofo ou Stardew Valley – mas vai ser divertido. Faço um ou dois tweets e stories no instagram divulgando a live. Sorrindo.
Eu ajeito a cadeira no lugar, dou mais uma mexida no cabelo e aperto o botão em letras garrafais.
ENTRAR AO VIVO.
“Oi gente, tudo bem? Bem vindos a stream de hoje! Como vocês estão?”
Deus, como eu estou cansada. E feliz.
